Por que compramos por impulso?
- Prof. Thiago Holanda

- há 5 dias
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No complexo cenário das interações econômicas, poucos fenômenos são tão universais e, simultaneamente, tão perturbadores para o equilíbrio financeiro individual quanto o consumo por impulso.

A imagem clássica do consumidor racional, aquele "Homo Economicus" que pondera custos, benefícios e utilidade marginal antes de cada aquisição, tem sido sistematicamente desconstruída pelas evidências empíricas e pela observação do cotidiano. Se as decisões de compra fossem puramente lógicas, o endividamento decorrente de gastos supérfluos seria uma anomalia, e não uma regra.
Para compreender as verdadeiras engrenagens que movem o ato de comprar sem planejamento, é necessário ultrapassar as fronteiras da economia tradicional e adentrar o terreno da Economia Comportamental.
Esta subárea, ao integrar conceitos da psicologia cognitiva às finanças, lança luz sobre as motivações ocultas que levam indivíduos a agirem contra seu próprio bem-estar financeiro de longo prazo.
A base teórica para entender esse comportamento reside na arquitetura do próprio pensamento humano. Conforme elucidado na obra de Daniel Kahneman (2012), a mente humana não opera sob um sistema unificado de decisão, mas sim através da interação de dois sistemas distintos. O Sistema 1 é rápido, intuitivo, associativo e carregado de emoção; ele opera automaticamente e com pouco ou nenhum esforço, sendo responsável pela maioria das nossas escolhas diárias. Em contrapartida, o Sistema 2 é lento, deliberativo, lógico e exige um esforço cognitivo significativo para ser ativado.
O consumo por impulso é, em essência, o triunfo do Sistema 1 sobre o Sistema 2. No momento da compra não planejada, a gratificação imediata e a resposta emocional suprimem a análise racional de orçamento e necessidade. O cérebro opta pelo caminho de menor resistência energética, favorecendo o prazer instantâneo em detrimento da segurança futura.
Este domínio do sistema intuitivo não ocorre no vácuo; ele é frequentemente catalisado pelo estado emocional do indivíduo. A literatura aponta que o ato de comprar muitas vezes transcende a aquisição de um bem material, servindo como um mecanismo de regulação emocional.
Em situações de estresse, ansiedade ou tristeza, o autocontrole do consumidor é significativamente reduzido. Estudos indicam que consumidores em estados emocionais alterados tendem a tomar decisões financeiras menos racionais, utilizando a compra como uma forma de alívio temporário ou recompensa compensatória. Santos (2024) argumenta que, nesse processo, a lógica é sacrificada em nome de uma tentativa subconsciente de restaurar o equilíbrio interno, ainda que o custo financeiro dessa "terapia" seja desproporcional. A mente, buscando fugir de um desconforto presente, agarra-se à promessa de felicidade embutida no produto, ignorando as consequências que virão quando a fatura chegar.
No entanto, seria um erro atribuir a responsabilidade do consumo impulsivo apenas às falhas internas do indivíduo.
O ambiente contemporâneo é meticulosamente desenhado para explorar essas vulnerabilidades, e as redes sociais desempenham um papel central nessa dinâmica. A exposição constante a estilos de vida curados e idealizados cria um ambiente de comparação perpétua. Mendes (2024) destaca que as plataformas digitais intensificam o comportamento impulsivo ao promoverem estilos de vida aspiracionais que estimulam não apenas o desejo de posse, mas a necessidade profunda de pertencimento e ostentação.
A pressão social digital atua como um amplificador das inseguranças pessoais, transformando o consumo em uma ferramenta de validação social. Sobretudo entre os mais jovens e indivíduos com menor regulação emocional, o "feed" de uma rede social não é apenas uma vitrine, mas um gatilho constante que dispara o desejo de gratificação imediata, muitas vezes facilitado pela invisibilidade do dinheiro nos pagamentos digitais.
Aprofundando-se nos mecanismos cognitivos específicos que facilitam esse comportamento, depara-se com o conceito de viés do presente (present bias). Este fenômeno descreve a tendência humana inata de supervalorizar recompensas que estão próximas no tempo, enquanto se subestimam as consequências futuras.
Ataíde (2022) ressalta que esse viés é um dos maiores inimigos da poupança e do planejamento financeiro, pois faz com que o prazer de adquirir um item hoje pareça infinitamente superior à segurança da aposentadoria ou da estabilidade financeira daqui a alguns anos. O cérebro humano, evoluído em um ambiente de escassez onde o futuro era incerto, tem dificuldade biológica em processar o conceito de longo prazo com a mesma intensidade emocional que processa o "agora".
Somado ao viés do presente, operam as heurísticas cognitivas (atalhos mentais que o cérebro utiliza para tomar decisões rápidas). O "efeito de ancoragem" é um exemplo clássico frequentemente explorado pelo varejo. Ao visualizar um preço original elevado (a âncora) riscado ao lado de um preço promocional, o consumidor percebe uma vantagem desproporcional, sentindo uma urgência artificial para aproveitar a "oportunidade". Duarte (2017) observa que esses fatores levam os indivíduos ao erro na tomada de decisão, pois a percepção de valor é distorcida pelo contexto da apresentação, e não baseada na utilidade real do produto ou na capacidade financeira do comprador. A racionalidade é ofuscada pela arquitetura de escolha desenhada para maximizar a conversão de vendas, não o bem-estar do consumidor.
Diante desse cenário onde a biologia e o ambiente conspiram contra a prudência, surge a questão de como mitigar tais comportamentos. A resposta tradicional tem sido a educação financeira, focada no ensino de matemática financeira, juros e orçamentação.
Embora necessária, essa abordagem isolada tem se mostrado insuficiente. Saber calcular juros compostos não impede, necessariamente, que alguém compre por impulso em um momento de vulnerabilidade emocional. Martin e Sbicca (2021) sugerem que a educação financeira precisa ser acompanhada de intervenções comportamentais, conhecidas como nudges (empurrões). Estas intervenções visam alterar o ambiente de decisão para favorecer escolhas melhores, sem restringir a liberdade do indivíduo.
A aplicação prática dos nudges e da economia comportamental pode transformar a maneira como lidamos com o dinheiro. Isso inclui desde o design de aplicativos financeiros que, em vez de facilitarem o gasto com um clique, introduzem pequenas fricções ou pausas para reflexão antes de uma compra, até o estabelecimento de limitações autoimpostas para gastos em categorias específicas.
O objetivo é criar barreiras artificiais que forcem a ativação do Sistema 2 de Kahneman, dando tempo para que a lógica recupere o controle sobre a emoção. Ao entender que a força de vontade é um recurso finito e falível, o consumidor pode estruturar seu ambiente para que a decisão correta seja também a mais fácil de ser tomada.
Em última análise, o consumo por impulso não é um subproduto da complexa interação entre nossa herança evolutiva, nossos estados emocionais e um mercado sofisticado que aprendeu a monetizar nossas tendências cognitivas.
Compreender o papel das emoções e dos vieses cognitivos nas decisões financeiras é, portanto, o primeiro passo para uma maior autonomia financeira.
Referências
ATAÍDE, Fabrício de Miranda. Economia comportamental: impactos da educação financeira em decisões sobre consumo e poupança com vistas à aposentadoria. 2022. Dissertação (Mestrado). Universidade do Estado do Amazonas. Disponível em: http://52.186.153.119/handle/123456789/4944. Acesso em: 08 dez. 2025.
DUARTE, V. O. Economia comportamental e os fatores que levam indivíduos ao erro na tomada de decisões: uma análise exploratória da literatura. 2017. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação). Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/168811. Acesso em: 08 dez. 2025.
KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar: duas formas de pensar. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.
MARTIN, K. A.; SBICCA, A. Decisões financeiras e o uso de aplicativos: um estudo à luz da economia comportamental. Revista Gestão Organizacional, v. 14, n. 3, p. 101-120, 2021. Disponível em: https://pegasus.unochapeco.edu.br/revistas/index.php/rgo/article/view/5443. Acesso em: 08 dez. 2025.
MENDES, P. T. Economia comportamental e as decisões do consumidor: elementos sobre a influência das redes sociais nas compras impulsivas. 2024. TCC (Graduação) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/272983. Acesso em: 08 dez. 2025.
SANTOS, W. A. Mente blindada, bolso cheio: planejamento financeiro e economia comportamental. São Paulo: Independente, 2024. Disponível em: https://books.google.com/books?id=L_vuEAAAQBAJ. Acesso em: 08 dez. 2025.






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