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Por que imprimir mais dinheiro não acaba com a pobreza?

A ideia de “imprimir dinheiro” (ou política monetária expansionista, no jargão técnico) muitas vezes desperta a esperança de soluções rápidas para pobreza. No entanto, a eficácia dessa ferramenta é limitada e os riscos podem superar os benefícios.

imprimir dinheiro

Tecnicamente, a expansão monetária aumenta a oferta de moeda e pode, a curto prazo, estimular a atividade econômica por meio de maior consumo e redução do desemprego.


Contudo, se essa criação de dinheiro não for acompanhada por crescimento real na produção, abundância de bens e serviços, gera inflação. Essa inflação corrói o poder de compra e afeta desproporcionalmente os domicílios de renda mais baixa, que destinam maior parcela de seus recursos a produtos essenciais (balcão de alimentos, transporte, energia).


Além disso, os benefícios da liquidez extra tendem a se concentrar nos primeiros receptores do dinheiro (bancos, grandes empresas, mercado financeiro), enquanto os mais pobres acessam os efeitos inflacionários apenas posteriormente, é o chamado efeito Cantillon. Esse mecanismo tende a ampliar a desigualdade de renda e de riqueza, como comprovam estudos recentes em economias avançadas: quantidades elevadas de dinheiro novo aumentam o valor de ativos (ações, imóveis), favorecendo os mais ricos em comparação a quem vive com salários fixos ou informalidade.


Crises de hiperinflação (por exemplo, Zimbábue e Argentina) demonstram cenários extremos: governo recorre à emissão monetária para financiar déficits recorrentes e isso desemboca em inflação crônica que destrói completamente a moeda, reduz a atividade econômica e mergulha a população na pobreza em massa.


Outros riscos relevantes associados à simples impressão de moeda incluem o fenômeno conhecido como armadilha de liquidez. Trata-se de uma situação em que, mesmo com o aumento da base monetária promovido por bancos centrais, os agentes econômicos (famílias, empresas e instituições financeiras) optam por manter recursos líquidos, ou seja, preferem poupar ou acumular reservas ao invés de investir ou consumir. Esse comportamento, geralmente motivado por incertezas econômicas, baixa confiança nos mercados ou expectativas negativas quanto ao futuro, neutraliza os objetivos expansionistas da política monetária. Em outras palavras, mesmo com dinheiro em circulação, a atividade econômica não é estimulada de forma significativa.


Isso ocorreu, por exemplo, nos Estados Unidos após a crise financeira de 2008, quando programas massivos de flexibilização quantitativa (quantitative easing) foram implementados pelo Federal Reserve. Embora tenha havido melhora nos ativos financeiros e liquidez bancária, a velocidade de circulação da moeda permaneceu baixa, e os efeitos sobre o consumo e o investimento foram limitados. Essa experiência reforça que a política monetária, isoladamente, tem eficácia restrita quando não está acompanhada de confiança institucional, segurança jurídica e perspectivas de crescimento sustentado. Em economias em desenvolvimento, como a brasileira, o risco de armadilha de liquidez pode ser ainda maior, dada a instabilidade fiscal recorrente e os elevados prêmios de risco percebidos por investidores e consumidores.


A literatura econômica destaca que políticas monetárias eficazes estão profundamente associadas à autonomia dos bancos centrais. Essa independência institucional permite que tais autoridades conduzam sua missão primordial — o controle da inflação — sem pressões políticas de curto prazo, como populismo fiscal ou interesses eleitorais. Diversos estudos apontam que países com bancos centrais independentes tendem a apresentar menor volatilidade inflacionária, maior credibilidade perante os mercados e níveis de desigualdade mais controlados.


No caso do Brasil, o avanço legislativo que consolidou a autonomia do Banco Central em 2021 foi uma medida significativa na direção de assegurar estabilidade macroeconômica. Essa autonomia tem impacto direto na capacidade da autoridade monetária em ancorar as expectativas inflacionárias dos agentes econômicos, promovendo um ambiente mais previsível para o consumo, a poupança e o investimento.


Ao preservar o valor real da moeda, a política monetária bem protege especialmente os mais pobres, que não dispõem de instrumentos financeiros de proteção contra a inflação. Assim, a atuação técnica, independente e transparente do banco central é um instrumento não apenas de estabilidade econômica, mas também de justiça social, na medida em que combate os efeitos regressivos da inflação sobre o poder de compra das famílias de baixa renda.

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